Derrepente amanheceu e 
as Importâncias tinham se mudado 
sem nada levar

Deixaram as gavetas da casa abertas como se incentivassem os Pertences a se mudarem também, aconselharam Mofo e Poeira, que, por fim, acordaram ser melhor não se instalarem. Os Móveis, imóveis e silenciosos, por códigos de carpintaria conversavam entre si, caso pudesse entender, arriscaria o palpite de que estavam pechinchando o preço do bilhete. Mudariam-se. Penso.
Talvez, nas próximas horas uma Importância menos decidida volte, talvez os Pertences, vacilantes dentro das gavetas, aquietem-se e engavetem-se, talvez com o acordar de uma noite a casa se ocupe outra vez e volte a amanhecer. Mas, ainda talvez, aconteça de maneira diferente e as Importâncias se alterem, se encontrem novas e diferentes em outro lugar. Penso.
.. se alteradas, ela as seguirá.

De onde escrevo vejo.
Firme, dentro do corpo, está Alma de olhos fixos no movimento do céu.

Pão com Fanfaní, cozinha artesanal 
- eis o motivo das minhas noites sem dormir. 

Não, não é caso de insônia, tampouco de remédio, doutor. É que sábado é dia de feira lá em Macacos, e as oito da manhã o carro precisa estar carregado e a caminho da vila.. e é muito bolinho e muita torta pra arrumar, sabe? 
Não, não é caso de reclamar, não doutor. Pelo contrário, eu to aqui te contando, porque me falaram que daqui pra frente eu preciso falar do meu pequeno negócio com todas as pessoas que eu conversar, falar da feira de sábado e das encomendas que eu entrego durante a semana lá em Macacos e aqui em Belo Horizonte. É, é.. é marketing! Divulgação é a alma do negócio. Me falaram que eu preciso contar até dos embrulhos de torta de banana integral que eu venho equilibrando no ônibus pra Belo Horizonte nos dias de entrega, acredita? É que  tem pessoas que gostam de saber das histórias que tem o alimento que elas comem. O bom é que eu gosto de contar, até porque eu sou parte das pessoas que gostam de saber.

Essa marmitinha aí que eu trouxe pro senhor experimentar, doutor, foi a minha novidade pra essa semana lá na feira. É um crocante de maçã e amêndoas! Sabe, eu decidi ter três receitas fixas e uma que varia, porque assim meus clientes sabem com o que podem contar e sabem também que podem esperar algum novo experimento da minha cozinha artesanal. Minha mão doceira inquieta fica feliz de poder fazer uma nova receita e eu ainda consigo aumentar o movimento da minha barraquinha anunciando a novidade da semana.   É, é.. é marketing! Criatividade é a alma do negócio.

Então, voltando ao assunto das minhas noites sem dormir.. eu sei que não posso sustentar esse ritmo por muito tempo. Mas sabe que nem é falta de planejamento não, eu me organizo direitinho. Segunda e terça compro embalagens e ingredientes secos no centro, quarta vou ao supermercado e sexta é o dia de pegar os produtos locais, comprar a carne moída pro quibe e assar toda a produção pra feira. Uai?! Eu não mencionei o quibe?! O quibe é a terceira receita fixa e por enquanto é também a única receita salgada. Ele é de abóbora japonesa e carne, temperado com noz moscada e pimenta,  e com salsinha e cebolinha da minha vizinha lá de Macacos. O ovo que ajuda a dar a liga na massa também é de lá, ovo caipira de galinha criada solta no terreiro.. pura saúde. É, eu sei.. e essa é uma questão que está em estudo. Vegetarianos , como você, também freqüentam a minha barraquinha e já me encomendaram uma receita salgada sem carne.. que eu até fiz pra esse sábado, mas não pude vender. O quibe desmoronava toda vez que eu tentava partir.. desisti na terceira tentativa, e olha que eu não costumo desistir fácil, você sabe. Acho que foi resultado da falta do ovo que eu decidi tirar da massa, com o recheio que não era dos mais molhadinhos..  dava pra vender como tabule, mas preferi esconder e elaborar melhor pro posso sábado. Descobri um cara que cultiva cogumelos shimeji num lugar perto de Macacos e to pensando em criar a receita vegetariana com esses cogumelos, que tal? É, eu sei que o senhor gosta.. pode contar que vou trazer um pedacinho especial pra sua degustação.

O que eu acho mais legal é justamente isso, sabe? Ter ingredientes frescos, das redondezas de Macacos e de pequenos produtores como eu. A minha idéia pro meu pequeno negócio é criar receitas que usem a maior quantidade possível de ingredientes locais e orgânicos, produzidos por pessoas que eu sei o nome, sei onde moram e sei que quando eu tiver precisando conversar, possivelmente, iram me convidar pra uma xícara de café. É, eu gosto de vender comida com vínculos! Gosto de comprar de pessoas de bem e de vender pra pessoas de bem; pessoas que assim como eu acreditam na importância do alimento, no cuidado com a saúde por meio de uma alimentação mais integral e natural e principalmente na importância de poder desfrutar de um bolinho de chocolate com doce de leite caseiro, sem grandes preocupações, se permitindo ter prazer e saciar as diferentes fomes do corpo e da alma. É um pouco piegas falar assim, mas é que eu coloco tanto amor nas coisas que saem da minha cozinha que eu fico achando que meus bolinhos e tortas podem melhorar e alegrar os dias das pessoas. 

E é por isso que eu mesma é que assumo as vendas lá na feira todo sábado, porque posso contar um pouco de tudo o que acontece até que um bolinho esteja ali, porque posso ouvir um pouco o que as pessoas tem pra falar, me encher de expectativas todas as vezes que elas iniciam uma primeira mordida e ainda voltar pra casa com um dinheirinho no bolso que me deixa feliz, feliz..

Trabalhar é tudo o que eu mais tenho gostado de fazer, doutor. Passar minhas noites tirando do forno, recheando e embalando bolinhos. Picando banana madura numa mesma espessura e enfileirando ordenadamente os pedaços sobre a massa, em meio a livros de receitas e potes de ingredientes, esperando um galo que canta as quatro da manhã anunciar que é hora de preparar uma xícara de café, lavar o rosto e começar um novo dia..                      

Contando assim, me parece vida invejável de personagem de romance culinário. Na prática, continua tendo muito beleza, mas talvez fosse mesmo prudente reservar um pouco mais de horas de sono, pra que a pele esteja um pouco mais descansada e eu economize as vindas ao dermatologista.

         

fora de casa

Talvez, no meio da rotina do mundo se perca o tempo. Se percam os instantes, o inusitado, se percam as pessoas e os olhares.

Procurar em outros lugares que não aqui e perder tempo com coisas que não o agora, ainda é parte do que eu sou; 
mas é em mim, que vive o que me aquieta e me responde.
E o sol brilha independente das nuvens no céu, e o dia amanhece promissor, e daqui escrevo. 

você tem planos pro carnaval?

sempre tive. planos e fantasias.




é tanta pouca coisa que quase não cabe.
estou vivendo com todo o meu coração.

tempo bom e céu claro.

Quase prontos.
biscoitos pra um amanhecer diferente, ou pra uma tarde igual a todas as outras, exceto por tudo. Exceto por tudo que está ao alcance de nossas mãos. Pela vida que pode ser vivida, pelos bons pensamentos que podem preencher cada canto de uma casa, pequena ou grande.
Se temos jardim, e se não temos? E se só temos céu? pequeno ou grande?


(..) Mas, pouco a pouco, / como você deixou para trás as suas vozes, / as estrelas começaram a queimar / através das folhas de nuvens, / e houve uma nova voz que você lentamente reconheceu como sua própria, / que te manteve / como você caminhou mais e mais profundo / no mundo, / determinado a fazer a única coisa que você poderia fazer / determinado a salvar a única vida que você poderia salvar"

poema de Mary Oliver, traduzido.



COOKIES - Come Come Eventos e Pão com Fanfaní from Lucas Emanuel on Vimeo.

por uma semana. por inteiro.

por uma semana,
ser dona de casa.
e só.

coar café pra amanhecer o dia, passear com o cachorro e dar bom dia a vizinhança. ter tempo. lavar louça, lavar roupa, fazer comida. um, dois, três pratos.. e um bolo.




Porque, depois de todos esses dias, eu acordei acreditando que preciso de experiências? de ver a rua, de ver gente, de saber mais coisas, de ser mais? .. outra vez, é noite. e ainda não sei nada sobre todos os pensamentos que moram em mim.


Lentilha com banana e maçã
serve quatro pessoas

ingredientes
1 1/4 de xícara de lentilha libanesa
6 1/2 xícaras de caldo de legume caseiro
2 colheres de sopa de azeite de oliva extravirgem
1 colher de chá de semente de mostarda
1 colher de sopa de cebolinha (parte branca) picada
1 colher de sopa de folhas de salsinha picada
2 colheres de sopa de folhas de hortelã
2 maçã Fuji pequenas com casca, cortada em 8 gomos
1 colher de sopa de curry
1 colher de chá cheia de sal marinho
2 bananas nanicas maduras e firmes, em rodelas de 2 cm
1 colher de sopa de ciboulette picada
1/4 de colher de chá de pimenta dedo de moça, sem semente, picada (opcional)

preparo
Lave a lentilha em água corrente e escorra. Numa panela de pressão coloque a lentilha e 4 xícaras de caldo de legumes. Tampe a panela e leve ao fogo. Quando começar a apitar, abaixe o fogo e cozinhe por 10 minutos. Retire a pressão e abra. Em outra panela, junte 1 colher de sopa de azeite, as sementes de mostarda, a cebolinha, a salsinha e a metade da hortelã. Salteie por 1 minuto. Acrescente a maçã e salteie por mais 1 minuto. Junte 2 1/2 xícaras de caldo de legumes, o curry e o sal e cozinhe em fogo médio por 5 minutos. Acrescente a lentilha com o caldo do cozimento e a banana e cozinhe por mais 10 minutos. Quando estiver pronto, junte a hortelã restante, a ciboulette, a pimenta e o azeite restantes. Sirva.

receita tirada do livro "Cozinha Natural Gourmet"
da chef Tatiana Cardoso

e minha receita predileta!
uma das melhores e mais perfumadas lembranças de infância.